segunda-feira, 20 de julho de 2009

NA IMPRENSA: O que muda na formação do jornalista?

Do jornal "Gazeta do Povo", em matéria de Marcela Campos:


O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, no dia 17 de junho, a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. A decisão trouxe preocupações não só para aqueles que já estão no mercado de trabalho, mas também para os estudantes que sonham em trabalhar nas redações. E deu origem a uma sé­rie de questionamentos. Haverá mudanças nas graduações em Jor­na­lismo? Ainda va­le a pena prestar vestibular pa­ra um curso tão concorrido se profissionais graduados em qualquer área – ou mesmo sem formação superior – poderão trabalhar na imprensa?

Para responder essas per­guntas, o caderno Ves­tibular entrou em contato com as dez instituições que oferecem o curso de Jor­na­lismo em Curitiba e conseguiu falar com nove delas: UFPR, PUCPR, Unibrasil, Uniandrade, Universida­de Positivo, Opet, Facin­ter, Unicuri­tiba e Tuiuti (a Essei foi a única que não respondeu). Duas particulares, a Unian­drade e o Uni­curitiba, disseram que pretendem criar novas modalidades de cursos de Jornalismo em função da decisão do STF.

A Uniandrade planeja manter a graduação tradicional, mas analisa a possibilidade de oferecer um curso sequencial de formação específi­ca na área. Os sequenciais são cursos de nível superior que não são de graduação (não permitem, por exemplo que o aluno faça Mestrado ou Dou­to­rado), voltados à formação específica em um dado campo do saber.

O Unicuritiba afirma que seguirá a tendência caso as universidades comecem a oferecer cursos tecnológicos, com duração menor do que o bacharelado. É o caso da Estácio Ensino Superior – instituição com unidades em 16 estados do país, entre elas a Está­cio Radial Curitiba –, que estuda abrir uma graduação tecnológica voltada preferencialmente para quem já fez outro curso superior. “O novo curso poderá receber pessoas que queiram uma formação mais rápida ou pessoas já graduadas. Mas o ideal mesmo seria o aluno que saiu do ensino médio fazer o bacharelado em Jornalismo”, diz o diretor da área de Comunicação e Ar­tes do Centro de Ensino da instituição, Hugo Silva Santos Junior.

A diretora de regulação e supervisão de educação profissional do MEC, Andrea de Faria Andrade, considera pouco provável que a modalidade seja reconhecida pelo ministério. “Quando há um novo nicho no mercado, há essa possibilidade (de criação de um tecnólogo). Mas o tecnólogo não pode ser visto como uma forma de reducionismo de um curso de bacharelado”, avalia.

Para a UFPR e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), o fim da exigência do diploma não deve provocar mudanças nos currículos dos cursos de Jornalismo ofertados por universidades públicas. “As escolas públicas de Jornalismo não vão se arriscar a comprometer a qualidade da formação”, afirma o chefe do departamento de Comunicação da UFPR, João Somma Neto. “As disciplinas de formação humanística (como Ciência Política e Antropologia) vão ser deixadas de lado nos cursos tecnológicos e o currículo vai se limitar às disciplinas operacionais”, avalia.

Quanto à possibilidade de cursos voltados para profissionais de outras áreas do conhecimento que desejam exercer o jornalismo –como, por exemplo, um médico que pretenda escrever sobre saúde –, nenhuma das instituições declarou a intenção de ofertar este tipo de pós-graduação.

Outras formações

Para o chefe do departamento de Comunicação da UEPG, Marcelo Bronosky, o fato de não se exigir diploma não significa que quem pretende ser jornalista deva partir para outras graduações. Essa também é a opinião da diretora do curso de Jornalismo da PUCPR, Mônica Fort. “Uma pessoa formada em outra área poderá dominar determinadas técnicas de redação para escrever um artigo, por exemplo, mas não saberá a estrutura de produção jornalística, as técnicas de reportagem.”




ENTREVISTA

José Marques de Melo,
Presidente da comissão do MEC que discute mudanças nos cursos de Jornalismo

O fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo não representa um enfraquecimento da graduação na área.Uma comissão do Ministério da Educação (MEC) formada por oito especialistas trabalha desde fevereiro na reforma das diretrizes curriculares dos cursos de Jornalismo. O objetivo é melhorar a qualidade da formação, considerada estratégica pelo governo para o fortalecimento da democracia no país. O presidente da comissão, José Marques de Melo, esteve este mês em Curitiba para debater a revisão dos currículos. Em entrevista ao caderno Vestibular, ele falou sobre a decisão do STF e as principais mudanças propostas para os cursos.

Quando e como a comissão foi formada?

A comissão foi instalada no dia 19 de fevereiro. Em outubro ou novembro do ano passado, o ministro Fernando Haddad me telefonou e me convidou para presidir a comissão. Ele me explicou que está fazendo um trabalho de reformulação do ensino superior brasileiro a partir de quatro áreas estratégicas: Direito, Medicina, Jornalismo e Pedagogia, que são, segundo ele, os quatro pilares para o fortalecimento da democracia.

Organizamos audiências públicas para que todos os segmentos tivessem oportunidade de falar. Fizemos uma consulta com a comunidade acadêmica do Rio de Janeiro e uma no Recife, quando ouvimos empresas, sindicatos, associações profissionais, enfim, quem emprega e quem executa o trabalho. E concluímos a rodada em São Paulo, ouvindo a sociedade civil organizada, os destinatários e as fontes do jornalismo. Enquanto isso, abrimos na página do MEC na internet uma consulta a quem quisesse se manifestar. Com base nesses elementos, é que nós fizemos as novas diretrizes curriculares.

Quais são as principais mudanças sugeridas pela comissão?

A filosofia da comissão é a seguinte: nós estamos querendo melhorar o que está aí e não inventar a roda. Nossa preocupação foi fazer um currículo para o curso de Jornalismo, desmembrando-o da Comunicação Social. Será um currículo para formar jornalistas e não comunicadores. É claro que nesse processo de formação os alunos vão estudar os processos de comunicação, as teorias da comunicação, mas vão afunilar no jornalismo. A formação humanística também precisa ser reforçada. O jornalista precisa ter conteúdos para colocar nas notícias, nos comentários. Estamos reforçando ainda a formação que nós chamamos de contextual, que é a capacidade de entender os processos de comunicação e a relação do jornalismo com as outras áreas comunicacionais. Além disso, propomos a restauração do estágio supervisionado, que vai contar 200 horas na carga horária dos cursos. Hoje em dia o jornalismo é única profissão que não tem estágio. Sugerimos ainda a criação de um conjunto de atividades complementares, além do currículo obrigatório: haverá 300 horas para que o aluno escolha a área de conhecimento em que quer melhorar a sua formação. Estamos recomendando que a carga horária total do curso seja de 3,2 mil horas. Hoje são 2,7 mil.

Quais serão os próximos passos da comissão?

Temos até 19 de agosto para entregar o relatório para o ministro. Depois o documento será enviado ao Conselho Nacional de Educação e, se for aprovado, todos os cursos existentes terão que se adaptar às novas diretrizes curriculares. Mas você não pode obrigar o estudante que entrou em um determinado regime a cursar outro. As mudanças vão valer para as novas turmas.

Como a comissão recebeu a notícia do fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão?

Nós recebemos a notícia tranquilamente. Não nos cabe omitir opinião sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Mas está sendo estudada ou foi proposta alguma mudança como consequência dessa decisão?

Não. Quando nós começamos a trabalhar era para melhorar a formação do jornalista no Brasil, que, com ou sem diploma, tem de ser melhorada. A decisão do STF é só mais uma razão para o ensino ser melhorado. Mas a falta de regulamentação do mercado profissional permite que se tenha no Brasil o que se tem nos Estados Unidos e em outros países há cem anos.

Há médicos, engenheiros, cientistas políticos que podem fazer um mestrado profissional de dois anos em Jornalismo. Entendemos que essa é uma possibilidade tanto para que o jornalista diplomado aprenda conteúdos quanto para que o diplomado em outras áreas tenha a chance de se preparar para colaborar com os jornais.

Algumas instituições de ensino estudam abrir cursos de tecnologia em Jornalismo, com menor duração do que o bacharelado. Esses cursos não enfraqueceriam a formação do profissional da imprensa?

Se isso for verdade mesmo, não será com o aval da comissão. Estamos recomendado melhorar a graduação plena em Jornalismo. Quanto mais rápido o profissional for para o mercado de trabalho, melhor será. Mas ele tem que ir preparado. Se o aluno conseguir cumprir as 3,2 mil horas em dois anos, não vejo problema.

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